Mr. Robot — esquizofrenia, hackers e um bocado de lugar comum
Vou tentar algo que não tinha feito ainda. Eu vou escrever uma crítica e vou editar ela ao fim de cada uma das temporadas. Adicionando comentários sobre elas e assim, espero, poder olhar o todo de forma bem mais clara.
Como sempre: TEM SPOILER. SE LIGA.
Porto Alegre, 21/12/2017
Mr. Robot é ruim. Não é horrorosa, mas é bem ruim sim. E desculpa se tu gosta, desculpa se tu saiu indicando pra todos os amigos. Tá liberado gostar. Mas, ainda sim, é bem ruim. Ao menos a primeira temporada.
Criada por Sam Esmail, a serie de televisão conta a história de Elliot Alderson, interpretado com bastante talento por Rami Malek. Elliot é um programador que trabalha em uma grande empresa de segurança. Esta empresa presta serviços a maior corporação do mundo. Um misto de Monsanto, Google e Apple, a Evil Corporation (sério, sem brincadeira, esse é o nome deles) é aonde tudo converge. Televisão, cartão de crédito, alimentação, vestuário, saúde…Tudo passa por eles. Eles são gigantescos.
Por mais que esse tipo de representação não seja, em pleno 2017, tão irreal algo que me chamou a atenção desde o inicio é como, diferentemente do mundo real, ela não se divide em áreas e marcas, tudo habita sob um mesmo nome: Evil Corp. Desde monitores até cartões de crédito. E aí começou minha birra. Isso não faz sentido e, infelizmente, a lista de coisas que não fazem sentido é grande. Mas ok, é um mundo imaginado, é ficção, e eu posso aceitar isso em prol de uma história boa.
Elliot, quem acompanhamos nesses primeiros 10 episódios, é responsável pela segurança em diversas áreas da Evil Corp mas, não feliz, é louco. E quando digo louco não é louquinho, não é noiado ou meio estranho. Ele é louco mesmo. Ele vê pessoas seguindo ele, ele escuta vozes. Ele até faz terapia, mas não toma os medicamentos que sua médica prescreve. Ele é viciado em morfina e outras drogas sintéticas. O que torna o cenário, e sua loucura, ainda mais complicados. Ah, vez que outra ele fala com os espectadores, ficando numa linha entre House of Cards e forma de evidenciar a loucura. O recurso adiciona muito pouco para trama e não tem o efeito narrativo de nos colocar como cúmplices e/ou confidentes — coisa que House of Cards faz com maestria-. Nós somos “uma voz na cabeça dele” e dizer isso, logo de cara no primeiro episódio, acabou com grande parte do encanto do seriado.
E não basta trabalhar para a maior corporação do mundo, ser louco e drogado, Elliot também é um hacker. Porém ele é um hacker ético. Ele usa de seus conhecimentos avançados para invadir, conhecer e, se preciso, destruir a vida de pessoas. Traidores, ladrões, traficantes — aqueles mesmos que ele depende para suas drogas — e todo tipo de indivíduo que ele julgue digno de ter a vida completamente ferrada. Um bom rapaz, de fato.
Elliot, acaba conhecendo Mr. Robot, um hacker com intenções grandiosas. Resetar o sistema, por assim dizer, apagar milhões de dados e assim recomeçar a economia mundial. O plano, fraco por princípio, fica pior ainda quando sai da boca de Christian Slater que tá aí, firme e forte, provando que tempo e experiência não necessariamente melhoram a qualidade de trabalho — incrivelmente ele recebeu indicação por esse papel 3 anos seguidos, ganhando no primeiro deles — .
Mr. Robot apresenta Elliot para um mundo que é uma mistura de um comercial da United Colors of Benetton, tamanha a necessidade de se conectar com todos os públicos possíveis e imagináveis, com todos os clichês possíveis sobre hackers. O grupo de hackers tem seu centro de comando em um galpão que, sinceramente, parece uma filial do Hopi Hari, afinal todo hacker que almeja derrubar o capitalismo tem sempre de ter hot dogs, pipoca e arcades na volta. Mais uma vez: é sério. O seriado parece tentar caminhar entre o realismo e todos os clichês possíveis e, obviamente, isso é impossível.
É dali eles pretendem executar seu grande plano que, para acontecer, precisa da ajuda de Elliot que trabalha na segurança da grandiosa Evil Corp.
Mas não é só isso (!) paralelamente acompanhamos a história de Tyrell Wellick (possivelmente o melhor personagem e o ator mais ciente do que estava fazendo, belo trabalho de Martin Wallström), almejando o cargo de CTO da Evil Corp, Tyrrel é frustrado, engessado e o resultado de uma sociedade doente. Ele é uma nova roupagem, muito bem feita, do personagem interpretado por Christian Bale em Psicopata Americano. E funciona. Possivelmente o arco mais interessante de toda a primeira temporada é acompanhar aquele homem sem escrúpulos, frio e calculista, fazer de tudo para alcançar seus objetivos profissionais.
Eu não sei o que eles pretendiam exatamente com aquele personagem, afinal ele, de novo: o mais interessante da trama toda, é abandonado por completo nos últimos episódios, como se sua história não se conectasse com o resto. Fico no aguardo da segunda temporada para tentar entender aonde isso se encaixa. Ainda sim, queria ressaltar um dos poucos pontos positivos desse seriado. Tyrell Wellick, baita personagem. Martin Wallström, baita ator.
Ainda sobre personagens secundários, temos Angela Moss, amiga de infância e flerte estranho de Elliot. Mesmo sendo totalmente desnecessário para a história principal acabamos acompanhando o relacionamento dela e como seu ex-namorado acaba se envolvendo em toda a trama de contaminar os servidores da Evil Corp. Não vou dizer que é um personagem descartável, não é mesmo, mas até a função dela — vínculo emocional de Elliot — parece fraco e pouco definido. Muito é falado, pouco é mostrado ou dada a devida dimensão. Sabemos que ambos são órfãos. Ela de mãe e ele de pai. Ambos vitimados por terem trabalhado sob condições insalubres para quem? Evil Corp. E aí, amigos, é necessário só um pouquinho de raciocínio para começar a ver o quadro todo e entender pra onde essa trama tá indo.
Eu sequer vou gastar meu tempo falando sobre o arco dramático de uma personagem que num dia odeia a empresa que matou a mãe dela com todas as forças e, literalmente, no outro dia tá indo trabalhar pra eles. Bem encantada, inclusive.
No meio de tudo isso também acompanhamos brevemente o relacionamento de Elliot com Shayla Nico, sua traficante de drogas, que é sequestrada e usada como moeda de troca. Ela morre. E isso não muda em absolutamente NADA a jornada daquele personagem. Nada. Zero. Ele é o mesmo antes e depois da morte dela. A única função do relacionamento deles e da morte dela é ocupar dois episódios inteiros com vários nadas e cenas que, sim são impactantes, mas não tem função nenhuma em nada que acontece após isso. Logo, não são elementos de mudança na trama e/ou personagem.
Uma das coisas que mais ouvia falar sobre o seriado era “como ele era realista em relação a tecnologia” e como as cenas de hacking não eram forçadas, exageradas e, pelo contrário, eram bem centradas na realidade. E não vou nem discutir, elas são mesmo. É até bem divertido identificar os sistemas que eles estão rodando ou simplesmente perceber que sim, aquela linha de comando ali faz sentido e não é um monte de blah blah bah pseudo tecnológico. Mas isso não é um mérito.
O ano é 2017. Vivemos num mundo aonde a maioria da população tem computadores, seja de mesa, de bolso, portáteis…todos já usamos um caixa eletrônico, todos nós — ao menos os públicos que o seriado tenta atingir- estão minimamente familiarizados com tecnologia. Nós sabemos como ela é.
Fazer diálogos e telas verossímeis não é mérito, é obrigação de um seriado que tenta ser realista no mundo de 2017. Ir contra isso, mostrando telas holográficas, interfaces translúcidas e exageradas, linhas de código verdes escorrendo pela tela, é o mesmo que apresentar a visão de futuro dos anos 20. Carros de madeira voadores, empregadas robóticas humanoides e dirigíveis transoceânicos. É bonitinho? Sim. Mas não funciona mais. Não pra algo que tente vender realismo.
De novo: não é um mérito.
Voltando a trama principal, Mr. Robot é o criador e porta-voz de uma organização claramente inspirada no grupo Anonimous. Para não usarem a máscara de Guy Fawkes, acabaram usando outra. Mas a estética, os objetivos e muitas das técnicas utilizadas pelo grupo no seriado são as mesmas utilizadas pelos grupos de cyber ativismo reais. Ah, o nome do grupo é Fsociety. De novo: não é brincadeira. Por vezes eu tenho sensação que eles escolheram esses nomes na primeira reunião de roteiro, usavam eles como referência e ninguém lembrou de trocar na hora de filmar.
Sério, o nome da corporação é LITERALMENTE “Corporação do Mau” enquanto o grupo rebelde se chama “Foda-se sociedade”. Eu não consigo nem ver como ironia, só preguiça de algo mais sério mesmo.
O texto é pobre, é fraco e clichê. “Esses porcos capitalistas e seus conglomerados”, “Nos vendem vícios”, “Nós vivemos no reino da bobagem”, “Eu sou anônimo, eu sou sozinho”. O seriado tenta desesperadamente replicar os textos de “Clube da Luta” que, mesmo sendo extremamente batidos, ao menos são bem escritos. O texto, principalmente o dado por Elliot em suas narrações, parecem saídos diretamente do Tumblr de um adolescente emo dos anos 2000. O impacto da narração em House of Cards não se dá somente pela atuação de Kevin Spacey…a narração funciona por ser um texto incrível. Um texto maduro, ácido e bem escrito. Não é o caso de Mr. Robot. Não é mesmo.
No decorrer dos 10 episódios que parecem intermináveis vamos nos embrenhando nos problemas com drogas de Elliot, sua incapacidade de controlar sua paranoia e, veja só, definir o que é real e o que é alucinação causada pelas drogas e sua doença mental. E nesse ponto, eu avisei que haveriam spoilers, o que era para ser uma grande revelação já está na cara. No segundo episódio da temporada eu sabia a revelação do último episódio e, sejamos francos, eu tô longe de ser espertão. Muito pelo contrário!
O seriado quer ser realista para nosso mundo 2017, super conectado e dependente da tecnologia mas esquece que nem todo mundo vive na Nova Iorque da gentrificação desenfreada. Partindo da lógica do Clube da Luta (filme com o qual o seriado compartilha muitas similaridades), o seriado tenta nos levar a crer que um grupo de hackers pode desestabilizar a economia. E, sem querer desfiar hackers, não duvido que consigam. Mas mudar a ordem econômica, resetando o sistema e recomeçando do zero a distribuição de renda parece, no mínimo, inverossímil. Dados, por mais que sejam essenciais, não são a única forma de poder, não são a única forma de controle e muito menos a única moeda corrente. Óbvio, o caos que o cenário almejado por eles causaria é inegável…mas as mudanças causadas por esse caos são bem — bem — contestáveis.
Após o grande ataque feito pela FSociety dois grandes executivos da Evil Corp conversam sobre como suas rotinas tinham sido completamente destruídas. “Meu cartão de crédito não funciona desde o final de semana” diz ela. Essa cena, por mais breve que tenha sido, mostra como o compasso moral daqueles personagens, os idealizadores de tudo isso, é torto. Se os mais altos executivos do maior conglomerado DO MUNDO tiveram suas rotinas alteradas, o que terá acontecido com o cidadão comum? Com o trabalhador?
Desculpa se eu fiquei chato e crítico demais com essas coisas, mas né…Se vocês querem mudar o mundo, que tal olhar pra ele um pouco mais?
O seriado é inocente, ignorando contextos sociais que, pasmem, não giram em torno só da realidade americana(a mudança é sempre falada em nível global). Pior, a trama trata isso como a única forma de mudança. Enquanto nos aprofundamos mais e mais na história de Elliot e Angela Moss cada vez mais fica claro que esse “mudar na sociedade” nunca foi e nunca será em pról de todos ou simplesmente acabar com aquilo que, como eles mesmos chamam, um câncer do nosso mundo. É uma vingança pessoal. E não tem nada de errado nisso. É uma motivação mais do que interessante para um seriado. Porém, se fosse abordado única e exclusivamente dessa forma, um cidadão sozinho usando suas capacidades para tentar derrubar uma empresa e fazer justiça, seria infinitamente mais instigante e plausível de identificação. Todos lutamos, a nossa forma, contra o sistema. A batalha épica desse personagem seria mais plausível e menos ampla como “resetar o sistema” ou“salvar o mundo das Corporações do Mau”.
Voltando mais uma vez para Clube da Luta: aonde o filme brilha o seriado se perde. O filme é cínico e é ciente disso. É filme Hollywoodiano de orçamento gigantesco e estampa no cartaz a cara de dois atores famosos. Eles não “se infiltraram no sistema para derrubar o sistema” o filme é o que é: uma sátira da sociedade — e nos lembra disso o tempo todo — e das ambições do cidadão médio de subverter tudo isso. O filme é, inclusive, uma alfinetada naqueles que acham que derrubando edifícios, ou apagando dados, se reseta uma sociedade. Não é assim que funciona e o filme de 1999 sabe disso.
E aí voltamos para a tentativa de reviravolta na trama: Mr. Robot na verdade é O PAI DE ELLIOT. “Mas o pai dele não estava morto”, você deve estar perguntando. Ele está! Ele é uma criação da mente de Elliot! Elliot arquitetou tudo isso sozinho, ele é o porta-voz e fundador da Fsociety. Era ele desde o início! Me pergunto aonde mais vimos uma reviravolta dessas numa história de pessoas querendo derrubar o sistema.
O que mais me irritou, mais do que a falta de criatividade, foi como eles realmente acharam que estavam fazendo algo inovador e inesperado. Como disse, estou longe de ser inteligentão e tinha sacado isso no segundo ou terceiro episódio. Ficou bem evidente para qualquer pessoa que observasse minimamente a estrutura narrativa e relações entre os personagens. E o pior, eles estavam tão convencidos que foi uma grande sacada que eles dedicam dois episódios inteirinhos para explicar tudo. Sabe quando tu sente que o roteirista considera o público burro? Tudo tem de ser explicadinho tipo episódio final de novela da Globo? É exatamente isso. E para um seriado que se vendia como uma trama atual, instigante e inteligente…isso é quase uma pá de cal.
No fim das contas o seriado que se leva a sério demais termina no mesmo balde de ‘mais do mesmo’ que já vimos na literatura, no cinema, em outros seriados, em outros produtos orbitando o universo hacker e, principalmente, em qualquer blog de adolescente revoltado com o mundo. Muito barulho, muita bateção de perna, para ideias que quando tu para pra olhar com mais calma, são bem babacas.
Resumindo e recapitulando:
- O seriado se vende como sério e tem uma empresa chamada Evil Corp e uma organização chamada FSociety. Oferecimento: seu sobrinho de 10 anos.
- Os planos são infantis, risíveis e especialmente feitos para agradar aquele público que acha que fazer a mudança no mundo é só tirar o like de uma página ou tacar glitter na cara. #ativismo
- A história é cheia de subtramas, dramas e relações que não são desenvolvidas o suficiente para fazerem a menor diferença no plano geral.
- As reviravoltas são risíveis, pra não dizer ofensivas.
Mas acabou a temporada e já tenho a próxima baixada via torrent usando um magnet link em uma rede em VPN para não ser rastreada (desculpa, esse vocábulo hacker é contagioso ¬¬) e logo mais, sabe-se lá quando, volto aqui e edito esse texto adicionando sobre a segunda temporada e se eles arrumaram algum dos erros da primeira.
Me desejem sorte.